5 de jan. de 2010

Sonantes: o herdeiro do 3namassa.



CARTA ABERTA AOS OUVIDOS FECHADOS ou SOBRE OS SONANTES & SEUS SONIDOS
Ilmos. Senhores(as) proprietários de aparelhos auditivos por ventura bloqueados, venho por meio desta solicitar-lhes a desobstrução de suas vias. É chegada a hora e a vez da cotonete! Reconheço, é bem verdade que nessa era caracterizada pela overdose de informação, a reação de tapar as orelhas muitas vezes faz sentido, pois o BPM da vida moderna acelera mais e mais a cada novo amanhecer, e nem sempre existe a chance de separar o joio do trigo. E, por isso mesmo, chamo atenção a esse... momento, esse encontro, essa convergência denominada Sonantes. Sim, porque nesse caso, “projeto” não é termo que explique bem a intenção. Afro, latino, cancioneiro, pernambucano, planetário, o disco se coloca, de maneira espontânea e imponente, na linha evolutiva da música daqui, ao valorizar muito a composição e a interpretação. Céu, a cantora que deslumbrou o Brasil e o mundo mas não se deslumbrou, é a voz que conduz esse trabalho, que, vale deixar claro, não é seu aguardado segundo álbum, mas uma verdadeira conseqüência do cotidiano. Tanto ela e seu parceiro Gui Amabis (compositor e produtor de background cinematográfico), quanto o irmão dele, o também produtor e trilheiro Rica Amabis (Instituto), e a dupla Dengue e Pupillo, mais conhecida como A Cozinha Da Nação Zumbi, residem todos no mesmo conjunto de prédios, nas Perdizes Paulistanas. Então, muito além dos palcos e estúdios, os cinco responsáveis centrais por essa obra dividem também as contas, o lanche na padaria, as piadas de bairro e os dias chuvosos. Quando os últimos se juntaram sob a alcunha de 3 Na Massa, o espírito já era meio esse, mas a troca das várias cantoras (convocadas para a estréia deles) pela dupla do edifício ao lado intensificou largamente o clima Lá Em Casa, que é uma das cores mais marcantes, um dos trunfos dos Sonantes. Isso sem falar em outro trunfo chamado Jorge Du Peixe. O linha-de-frente da Nação é praticamente uma entidade que páira sobre o disco todo. O cara co-assina a arte do encarte com Valentina Trajano (Arteria) e ainda deu nome à criança. Fora ele, outros comparsas, como Siba, Lúcio Maia, Beto Villares, Daniel Bozio, Toca Ogan, Fernando Catatau, Gustavo Da Lua, Pepe Cisneros, Sergio Machado, B-Negão e Apollo 9, também chegaram junto e contribuíram com performances (e, em alguns casos, composições) que completam o panorama em grande estilo. Agora, já ciente da receita, resta aos homens e mulheres de boa vontade apenas a opção de deixar os Sonantes soarem, e se deliciarem. Sem mais, me despeço, desejando boas audições.

São Paulo, Natal de 2007, Rodrigo Brandão.


Este manifesto de Rodrigo Brandão, MC do grupo paulista Mamelo Sound System, é um convite a desbravar o universo deste álbum, que para mim é indispensável aos ouvidos. Germinado a partir do 3namassa (projeto de Rica, Dengue e Pupilo, no qual cantoras interpretam as canções, enquanto músicos do sexo masculino escrevem as letras, em um nítido e assumido tributo à Chico Buarque, Serge Gainsbourg e ao desenhista de cunho erótico Carlos Zéfiro, Sonantes vem como um disco diferente, ousado e ao mesmo tempo sutil, doce e multifacetado. Não irei comentar todas as 10 faixas do álbum, só mesmo aquelas que mais me afetuei(salvo que adorei todas).
Começo por 'Carimbó', música da banda pernambucana do movimento manguebeat, Nação Zumbi. Regravada neste CD com grande maestria, quando ouço me sinto em uma roda de carimbó (dança típica do litoral paraense de origem negra, mas que também é considerada um gênero musical). Daí o nome da música. O timbre grave e carregado de Jorge Du Peixe (vocalista da Nação) dá lugar à voz delicada e em alguns momentos quase balbuceada de Céu.
Em 'Toque de Coito', a canção mais sensual e erótica do CD, fica evidente a sua relação e intimidade com o 'Na Confraria das Sedutoras', álbum do 3namassa altamente envolto em um erotismo elegante.
Cantada por Siba (ex Mestre Ambrósio e que atualmente toca com o grupo A Fuloresta), mostra os resquícios de projetos preexistentes dos membros da banda.
'Mambobit' é a mais dançante. Como o próprio nome já diz, é norteada pela 'caliência' do mambo (ritmo surgido em Cuba). A voz de Céu acompanha a música como um instrumento. Não há letra, é quase que totalmente instrumental.
Em 'Defenestrando', Céu mostra toda a sua competência como compositora. A letra é divertida e origianal e a canção tem uma batida envolvente e gostosa de ouvir. A melhor música do trabalho, na minha opinião.
'Quilombo Te Espera' mostra a influência inevitável da Nação Zumbi e que me fez lembrar também Jorge Ben, quando em suas composições, na década de 60 e 70 cantou as lutas do guerreiro Zumbi dos Palmares.
'Itapeva' me remeteu às canções de ninar, porém um pouco mais moderninha. Juntamente com B-Negão, Céu cantarola um 'deradandá', que para mim não significava nada até pesquisar o que significava Itapeva. Descobri que é um município do estado de São Paulo e nele existe um ponto turístico denominado Muro dos Escravos (construído pelos mesmos). Por saber da grande influência do projeto com a cultura africana, deduzi que quiseram representar o canto de tristeza e solidão dos esravos em meio ao sofrimento, como um canto de lamento.
'Braz', composta por Gui Amabis, fala da vontade de se estar perto do mar e que mesmo longe dele, a alma o traz docemente, como se nunca o tivesse visto.
'Frevo de Saudade' é nitidamente um frevo animadíssimo, que nos faz lembrar as marchinhas do carnaval de Recife e Olinda, com suas cores e sons.

Sonantes é um álbum para se ouvir sem nenhuma pressa ou cobranças. É extremamente suave e marcante. Quem o ouve nunca mais quer deixa-lo de ouvir. É como um momento que você nunca quer que tenha fim, mas se sente revigorado quando ele acaba.

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