10 de out. de 2010

Mais uma reunião popular brasileira em pleno Rio de Janeiro de 1956.



Foi sem eu esperar. Sentada no banco da praia de Copacabana eles passaram cada um com seu charuto, cada um com seu olhar. Eles me chamaram para entrar no apartamento em frente do mar. Fomos andando devagarinho, atravessamos a rua e logo estávamos na porta. Tom foi logo dizendo para não reparar na desorganização, era o lar de um boêmio. Não, eu nem estava aí pra isso. Quando entramos lá vi reunidos Toquinho, Nara, Miúcha, Elis, Baden, João, Caymmi e Lyra. Não pude me conter de emoção, estava na casa de Antônio Carlos Jobim e conhecia ali naquele instante grandes músicos brasileiros... fiquei sem palavras. Logo percebi que a sala cheirava a inspiração. Mas não aquela que chega súbita, não. Era a que vinha sorrateira, como um sopro nos ouvidos, como um formigamento no coração. Aos poucos vi Tom e Vinicius comporem "A Felicidade". E esta frase é ambígua para mim pelo fato de que eles não só estavam escrevendo uma das canções mais conhecidas da música brasileira, mas estavam construindo aquele momento de extrema felicidade dentro de mim, uma lenta e doce imagem e som que guardo em meu coração com tanto carinho e zelo, com uma admiração e ternura além do que posso comportar, além do que qualquer coração jovem e sonhador pode comportar. Entre goles de whisky e baforadas no charuto cubano, eles iam transbordando aquela música na sala do apartamento. Foi lindo de se ver e ouvir, foi indescritível, foi como um súbito empurrão pelo abismo da trasnformação. Me joguei sem medo e sem qualquer chance de voltar atrás (e eu nem cogitava esta hipótese). Foi como ver os Beatles compondo "Let It Be", John Lennon compondo "Imagine", Jorge Ben compondo "Que Maravilha" ou Bono Vox compondo "With or Without You". Foi eternamente mágico para mim.

Mil e uma utilidades.

"Cantora performática, circense, bem-humorada, a carioca Silvia Machete diz que não faz showzinho, mas showzão."

Olha, o crítico que escreveu isso me instigou a ver um show dessa cantora carioca, totalmente irreverente e extravagante, assim como o seu segundo álbum "Extravaganza". Mas também pudera: a moçoila é além de cantora e compositora, é também malabarista e trapezista. Rodou a Europa em um ônibus todo equipado (aqueles que dão pra morar dentro literalmente) fazendo teatro de rua e divulgando suas ínfinitas artes. Com todas essas influências circenses não poderia ser diferente: ela transmite excentricidade. Ela mescla doçura com sensualidade, como ela mesmo já disse: "uma pitada de pimenta." E é isso mesmo: toda a inocência e delicadeza de sua voz bem acompanhados de letras calientes e apresentações igualmente picantes. Composições totalmente irreverentes, divertidas e gozadas. Silvia canta ao mesmo tempo que apresenta números com bambolê, malabares e o que mais lhe vier a cabeça. Sempre sensual com vestidos bem condizentes com o seu exotismo. O nome do seu segundo álbum me remete muito a cultura italiana (extravaganza em português quer dizer "Extravagante. Combina bem com ela, né?), já que a mesma é recheada de elementos bem exagerados: as danças, as comidas, o comportamento, mas também muito requintada e lapidada, como tudo o que se é extravagante. Porque para ser extravagante é necessário delicadeza, irreverência, ousadia... é necessário fugir dos padrões mas sem ser escrachado e vulgar. E é assim que a Silvia é: totalmente extravagante sem ser vulgar.
Há algumas músicas que me chamaram mais atenção que as outras e são elas: 'Sábado e Domingo", balada totalmente leve, "Manjar de Reis", música de Jorge Mautner e Nelson Jacobina, "Vou Pra Rua", "A Cigarra" (regravação em português feita pela Silvia da canção "Como La Cigarra", de Mercedes Sosa), "O Baixo" (canção bastante curiosa já que a letra faz alusão ao instrumento de forma erótica) e "Noite Torta" (regravação de uma música esquecida do grande Itamar Assumpção, que na minha opinião é uma das melhores do disco).
Atrás dessa voz minuciosa e deste apetrechos artísticos, está a cantora que une as mais variadas artes (porque ela também paga de atriz quando remexe seu corpo, faz caras e bocas e insinuaçõs faciais enquanto interpreta as músicas). Silvia se instaurou na minha lista das novas divas da música brasileira, veio para ficar e se fincar ao lado de Marina de la Riva, Nina Becker, Céu, Karina Buhr, Ana Cañas e tantas outras. É pedida obrigatória nas madrugadas frias ou quentes, tanto faz. Porque se estiver frio ela vai com certeza esquentar e se os termômetros estiverem nas alturas se prepare para o fervilho que esta cantora lhe trará.